Reconhecimento do ser humano – Rudolf Steiner

Precisamos ter bem claro que a vida é na realidade uma unidade, que só provocando danos à vida é possível retirar um pedaço da mesma. O que a vida nos oferece de início é o meio dentro do qual, partindo da infância, crescemos como seres humanos. Somos colocados no mundo de tal modo que de início adormecemos ao adentrá-lo. Pensem apenas em como a criança nos primeiros anos se encontra em completa inconsciência perante o mundo. Então ela vai se tornando sempre mais e mais consciente. Mas o que significa isso: “ela vai se tornando consciente”? Isso quer dizer que ela aprende a se adaptar ao mundo com a sua essência interior. Ela aprende a relacionar o mundo exterior consigo mesma, a se relacionar com o mundo exterior. Ela passa justamente a ter consciência das coisas exteriores, e a se diferenciar delas – e, na medida em que cresce, se defronta sempre com isso mais e mais. Ela olha para cima, para o entorno da vida terrena, vê o mundo cósmico, quem sabe pressente que nesse mundo cósmico existe uma regularidade de leis; mas cresce inserindo-se no todo como em algo em que é recebida mesmo sem estar perfeitamente resolvida, de algum modo, com o mistério que se dá entre o ser humano e o mundo cósmico. E então a criança vai crescendo, cada vez mais acolhida nos cuidados conscientes dos demais seres humanos. Ela é criada; leciona-se-lhe. E ela cresce de um modo tal, que da sua individualidade inteira decorre que ela mesma tenha que intervir de algum modo nas engrenagens do mundo.

É deixando-a brincar, de início – é despertando por meio disso a sua condição de ser ativo – que nós a educamos para lidar com as engrenagens do mundo. Nós nos esforçamos, de alguma maneira, por um lado para que tudo o que fazemos com a criança seja realizado de tal modo que se satisfaçam os requerimentos da entidade humana; ou seja, que a eduquemos com saúde e higiene, que realizemos o ensino em relação ao corporal, anímico e espiritual. E nós buscamos ainda uma segunda coisa: nós tentamos encontrar nosso jeito de viver dentro das exigências da vida social e técnica. Aí foi feita a tentativa de educar e ensinar a criança de tal modo que ela mais tarde possa trabalhar, intervir na engrenagem, que ela possa se inserir socialmente na vida humana, que ela consiga lidar com as demais pessoas. Nós tentamos lhe trazer habilidades e conhecimentos por meio dos quais ela vá crescendo em e com inserção na vida técnica para que assim o seu trabalho possa significar algo para a sociedade e para a vida humana, e que ela mesma encontre um caminho de vida na inter-relação com o restante da vida social da humanidade. Tudo isso nós realizamos. E para que o realizemos de modo correto, para que de fato por um lado possamos dar conta das exigências da natureza humana de modo a não colocarmos o ser humano no mundo como um organismo espiritualmente, animicamente, fisicamente doente ou raquítico, nós precisamos pelo outro lado poder dizer que o ser humano está crescendo com inserção e em inserção na sociedade de tal modo, que ele consiga ter sua lida com alguma coisa, e com isso levar-se adiante e levar o mundo adiante. Que essas duas condições sejam satisfeitas desse modo, essa deve ser a nossa preocupação.

Steiner, Rudolf: Reconhecimento do ser humano e realização do ensino. [Cap. 6]
Tradução de Karsten Martin Hättinger com revisão de Ralf Rickli. São Paulo; Editora Antroposófica, no prelo.
DO LIVRO QUE ESTÁ SENDO EDITADO EM PARCERIA COM A FEWB.